Meu pé apertou todos os dedos contra a palmilha do tênis. Foi quando subia uma rua pela calçada enquanto uma montaria da PM a descia. Capacete, revólver, porrete, homem, rádio, tudo lá em cima. O cavalo, o coitado, com um ferro incomodando sua língua, mostrava parte da córnea branca de louco ou nervoso. Negociava em desvantagem o ritmo que deveria descer a rua contra a calma leviandade das mãos que puxavam as rédeas. O cavalo passava pela simples tortura de descer uma rua, porque torcer uma perna é perder a vida. O leitor, em dia chuvoso, por acaso, já teve seus sapatos deslizando sobre pavimento de ardósia ou tampa de metal? Teve medo de cair, escorregou mas não caiu. Quando a ferradura cravada no casco do cavalo deslizou pelo frio asfalto, fez um barulho de areia sobre porcelana em meus ouvidos, foi aí que meus dedos sem nomes apertaram as palmilhas dos meus tênis.
Existem coisas muito pequeninas chamadas átomos. Átomos e outras coisinhas igualmente pequenininhas se juntam e formam coisas que podemos ver, como uma árvore, uma cidade, um computador e uma pessoa. Na tarde de algum dia, uma chuva de fótons veio banhar meu corpo, meu rosto, e este conjunto de massa parecida com minha mãe e meu pai deu uma idéia pro Samir pintar um quadro.
O cavalo movia-se impelido pelo peso seu e do policial nas costas sobre uma superfície lisa, mas tendo a ferradura, e não o próprio casco, em contato com o chão. Os cavalos, não sentem dor quando são ferrados, ouvi que o casco não possui terminações nervosas. Moi, je m’en fou do quadrúpede, o incrível para mim é que compartilhei instintivamente o desespero da situação. Também não sinto meus sapatos, mas senti a falta de aderência entre o ferro e o asfalto através de meus dedos e a ponta da frente da sola. Não era eu quem realmente caia naquela tarde, mas eu fui aquele que também quase caiu. Onde começamos é também onde terminamos, quando esse onde é fora da gente, é o que mais me interessa.
O Samir fez o quadro, e já vários, pediu um texto. Um texto que causa fosse mais que encher um pedaço branco de papel. Do pouco que escrevi espero que não falte.
Ariel Ferreira Costa